O que a Revolução Francesa tem a ver com a história de Minas Gerais é fácil de descobrir - basta lembrarmos dos ideais de Tiradentes e seus colegas da Inconfidência Mineira. O que talvez não seja tão claro é o que ela tem a ver com a receita do pão de queijo.
Eu comecei a percebê-la quando li um livro muito bacana chamado A Medida de Todas as Coisas, escrito por Ken Alder. O livro conta a saga de dois astrônomos franceses que sairam a campo, subvencionados pelo governo, para medir o comprimento do meridiano que passa por Paris, durante os turbulentos anos da revolução na França.
Agora, para entender porque dois malucos foram financiados pelo governo para medir o comprimento do meridiano no meio da confusão que era a França naquela época (e o que isso tem a ver com o pão de queijo) temos que entender um pouquinho mais do que rolava por lá naquela época.
Antes da Revolução Francesa, a França contava com 250.000 unidades de pesos e medidas, pois cada nobre podia definir como as coisas eram medidas e pesadas na região onde ele mandava, tomando por exemplo como unidade de comprimento a largura da porta da igreja do vilarejo onde seu castelo ficava. Em agosto de 1789, com a revolução jurídica, a nobreza francesa renuncia a seus privilégios legais, incluindo aí sua autoridade sobre pesos e medidas. Aparece então uma enxurrada de propostas feitas por tudo quanto é cidadão interessado no assunto.
Para tentar resolver o problema foi criada uma Comissão de Pesos e Medidas (que era realmente de peso pois dela faziam parte grandes sábios como Condorcet, Lavoisier, Laplace, Borda e Le- gendre) que tinha como objetivo criar novas unidades de medida precisas e que fossem aplicadas uniformemente em toda a França. E mais, que estas novas unidades não dependessem de pessoas ou lugares específicos, mas que fossem universais, que pertencessem à humanidade como um todo. Daí, por exemplo, a ideia de definir a unidade de comprimento, o metro, como a décima milionésima parte da distância do Polo Norte ao Equador, ou seja, a décima milionésima parte de um quarto do comprimento total de um meridiano. E, por isso, os astrônomos Jean-Baptiste-Joseph Delambre e Pierre-François-André Méchain foram pagos para medir o comprimento do meridiano que passa por Paris e Barcelona (já que a terra é suposta ser uma esfera, todos os meridianos tem o mesmo comprimento e tanto faz qual você medir).
E onde entra a receita do pão de queijo nessa história? Ora, a receita tradicional, a que minha mãe me ensinou, tem como ingredientes: 3 copos de polvilho doce, 2 copos de leite, 1 copo menos dois dedos de óleo, 1 prato fundo de queijo minas meia cura ralado, 1 pitada de sal e 5 ovos pequenos ou 4 grandes. Se você não for mineiro e não tiver ajudado, desde pequeno, alguém a fazer um pão de queijo, duvidê-o-dó que você acerte de primeira nas quantidades que darão certo!
E, por fim, uma curiosidade: o distância do Polo ao Equador, medida hoje via satélite, é de 10.002.290 metros. Mas então o que é um metro?
29 de março de 2013
16 de março de 2013
As decimais de π
Outro dia um amigo comentou que π é infinito. Fiquei encucada e pensei cá comigo: infinito é algo que toda vez que a gente acha que chegou lá, na verdade ainda não chegou. Sempre tem mais do que o que já se viu.
Ora um círculo de raio 1 pode ser inscrito em um quadrado de lado 2. Sua área, que vale π é menor do que a área do quadrado, que vale 4. Ou seja, π é um número positivo e pequeno, pois é menor do que 4. Não pode ser infinito !?!
O que tem de infinito no π é o número de casas decimais depois da vírgula. Podemos escrevê-lo com muitas casas decimais (no caso abaixo, com 85 casas depois da vírgula):
3,1415926535897932384626433832795028841971693993751058209749445923078164062862089986280
mas sempre existirão mais infinitas outras depois delas. E o que é ainda mais legal - não tem nada de repetido, como nas dízimas periódicas. Isto nos deixa meio frustrados, pois nunca conseguiremos escrever a expressão inteirinha de π! (lembre que as dízimas periódicas a gente também não consegue escrever, mas temos uma boa ideia exibindo a parte que repete).
Apesar de sabermos que nunca conseguiremos exibir π por inteiro, as pessoas continuam calculando mais e mais decimais de π. Kanada e seus colaboradores, por exemplo, calcularam 1.241.100.000.000 decimais de π em 2002. Em outubro de 2011, Kondo bate o recorde calculando 10.000.000.000.050 decimais.
Por que fazemos isto? Por um lado, calculamos porque podemos. Com computadores cada vez mais rápidos e potentes, pode-se calcular cada vez mais decimais. Também há o desafio de se “bolar” algoritmos cada vez mais rápidos e eficientes. O cálculo de 100.265 decimais de π , feito por Shanks e Wrench em 1961, precisou de 105.000 operações aritméticas. Já o algoritmo inventado em 1984 pelos irmãos Borwein, obteve os mesmos dígitos com apenas 112 operações.
Uma vez que se tem bons algoritmos, eles passam a ser usados para testar e comparar o desempenho de novos softwares e computadores. Mas talvez o mais intrigante, contudo, seja poder ver se a conjectura sobre a distribuição aleatória dos dígitos na expansão decimal de π parece correta. O que se imagina é que um dígito tem a mesma probabilidade de aparecer na expansão de π do que qualquer outro. Assim, ao calcularmos as decimais deveríamos encontrar basicamente a mesma frequência para qualquer dígito e, que quanto mais casas decimais tivermos, melhor deve ser esta estimativa. Ora, em 1999, examinando 200 bilhões de casas decimais de π, Kanada e Takahashi obtiveram o seguinte número de ocorrências, que parece concordar com a conjectura:
Dígito Número de ocorrências
0 20.000.030.841
1 19.999.914.711
2 20.000.136.978
3 20.000.069.393
4 19.999.921.691
5 19.999.917.053
6 19.999.881.515
7 19.999.967.594
8 20.000.291.044
9 19.999.869.180
Ora um círculo de raio 1 pode ser inscrito em um quadrado de lado 2. Sua área, que vale π é menor do que a área do quadrado, que vale 4. Ou seja, π é um número positivo e pequeno, pois é menor do que 4. Não pode ser infinito !?!
O que tem de infinito no π é o número de casas decimais depois da vírgula. Podemos escrevê-lo com muitas casas decimais (no caso abaixo, com 85 casas depois da vírgula):
3,1415926535897932384626433832795028841971693993751058209749445923078164062862089986280
mas sempre existirão mais infinitas outras depois delas. E o que é ainda mais legal - não tem nada de repetido, como nas dízimas periódicas. Isto nos deixa meio frustrados, pois nunca conseguiremos escrever a expressão inteirinha de π! (lembre que as dízimas periódicas a gente também não consegue escrever, mas temos uma boa ideia exibindo a parte que repete).
Apesar de sabermos que nunca conseguiremos exibir π por inteiro, as pessoas continuam calculando mais e mais decimais de π. Kanada e seus colaboradores, por exemplo, calcularam 1.241.100.000.000 decimais de π em 2002. Em outubro de 2011, Kondo bate o recorde calculando 10.000.000.000.050 decimais.
Por que fazemos isto? Por um lado, calculamos porque podemos. Com computadores cada vez mais rápidos e potentes, pode-se calcular cada vez mais decimais. Também há o desafio de se “bolar” algoritmos cada vez mais rápidos e eficientes. O cálculo de 100.265 decimais de π , feito por Shanks e Wrench em 1961, precisou de 105.000 operações aritméticas. Já o algoritmo inventado em 1984 pelos irmãos Borwein, obteve os mesmos dígitos com apenas 112 operações.
Uma vez que se tem bons algoritmos, eles passam a ser usados para testar e comparar o desempenho de novos softwares e computadores. Mas talvez o mais intrigante, contudo, seja poder ver se a conjectura sobre a distribuição aleatória dos dígitos na expansão decimal de π parece correta. O que se imagina é que um dígito tem a mesma probabilidade de aparecer na expansão de π do que qualquer outro. Assim, ao calcularmos as decimais deveríamos encontrar basicamente a mesma frequência para qualquer dígito e, que quanto mais casas decimais tivermos, melhor deve ser esta estimativa. Ora, em 1999, examinando 200 bilhões de casas decimais de π, Kanada e Takahashi obtiveram o seguinte número de ocorrências, que parece concordar com a conjectura:
Dígito Número de ocorrências
0 20.000.030.841
1 19.999.914.711
2 20.000.136.978
3 20.000.069.393
4 19.999.921.691
5 19.999.917.053
6 19.999.881.515
7 19.999.967.594
8 20.000.291.044
9 19.999.869.180
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