Em 1858, o escocês Alexander Henry Rhind, comerciante, estudioso e colecionador de antiguidades, comprou no Egito um papiro datado de cerca de 1550 aC (possivelmente fruto de pilhagens em sítios arqueológicos).
Poucos anos depois Rhind faleceu de tuberculose e o papiro - agora chamado de Papiro de Rhind - foi comprado pelo British Museum, onde se encontra até hoje, mas infelizmente fora de exposição. Na ilustração abaixo vemos um pedacinho deste papiro.
Não chegaram até nós muitos papiros. Afinal, eram feitos de matéria orgânica e logo biodegradáveis. Que tratassem de matemática, então, sobraram pouquíssimos. O papiro de Rhind é uma dessas exceções: contém vários e vários problemas e suas soluções, e várias tabelas. Uma delas, dentro do problema 61, nos conta a maneira engenhosa como os antigos egípcios trabalhavam com frações. Para eles, toda fração, se não tivesse numerador 1, se escreveria como uma soma de frações com numerador 1, que hoje chamamos de frações egípcias. Por exemplo, 5/8 seria 1/2+1/8.
Na tabela do problema 61, eles colocaram todas as frações egípcias do tipo 2/n, com n ímpar indo de 3 até 101. Na nossa notação com algarismos (hindu)-arábicos, a tabela ficaria assim:
Impressionante, não é? Mas por que os egípcios resolveram trabalhar assim
com as frações? E como conseguiram montar esta tabela? No Papiro de Rhind não encontramos nenhuma explicação.
Se olharmos a maneira como representavam os números, poderemos perceber a genialidade deste tratamento da divisão. A notação numérica dos egípcios era bastante simples. Tinham símbolos em hieróglifos
para 1, 10, 100 até 1.000.000:
Usavam a base 10 e combinações destes símbolos para formar os outros números
(que chamamos de notação aditiva).
Por exemplo
quando escrito do maior para o menor, como fazemos hoje, mas também
podiam inverter, o que causava uma certa
confusão. Este jeito de anotar números é ótimo para somas e subtrações. Basta ajuntar
os iguais e ver quantos são. Para multiplicar eles usavam a propriedade
distributiva e tinham tabelas que ajudavam bem.
Já para dividir, a coisa se tornava um inferno… Experimente fazer a divisão
sem usar o nosso algorítmo da divisão e sem
máquina de calcular, claro!
Isto sugere que eles tenham inventado as frações egípcias para resolver
este problema prático.
Na verdade, como não estamos acostumados, este jeito de trabalhar parece estranho, mas pode ser muito útil: por exemplo, se você tem 5 pizzas para dividir entre 8 pessoas, divida quatro das pizzas ao meio e a quinta em 8 partes e dê um meio e um oitavo de pizza para cada um (1/2+1/8=5/8).
Como os egípcios fizeram esta tabela, bem, isto já é meio que um mistério. Nos papiros só tem enunciados de problemas, todos numéricos, solução dos problemas e tabelas…. Não tem fórmulas nem métodos gerais.
As frações egípcias continuaram a serem usadas na Grécia e até mesmo na Idade Média. Decomposições em frações unitárias são encontradas nos livros do matemático hindu Mahavira, no século IX. O italiano Fibonacci, um dos incentivadores do uso dos nossos algarismos (hindu)-arábicos pelos comerciantes europeus, descreve e estuda as frações egípcias em seu Liber Abaci, de 1202.
Hoje em dia não usamos mais frações egípcias em contas e aplicações. Afinal, computadores e maquininhas de calcular fazem todas as contas por nós. Mas os matemáticos que pesquisam em Teoria dos Números continuam interessados nelas. Segundo o Web of Science, um catálogo de artigos publicados nas principais revistas científicas, na área de Matemática temos 67 artigos sobre frações egípcias a partir de 1971, sendo 3 agora em 2021.
Para os curiosos, eis algumas fórmulas para calcular frações egípcias em casos especiais:
se p é primo : 2/p = 1/((p+1)/2)+1/(p(p+1)/2)
se p e q são primos: 2/pq = 1/(q(p+1)/2)+1/(pq(p+1)/2)
E muitas outras existem. Na internet é possível encontrar várias. Mas não sabemos quais delas os egípcios realmente usaram, se usaram...