19 de maio de 2013

O Susto dos Pitagóricos

Uma reta é um conjunto de pontos enfileirados sem começo nem fim. Um segmento de reta é um pedaço da reta começando em um ponto e terminando em um outro ponto. 
A ideia que vem à cabeça, então, é que um segmento de reta é assim como um colar de contas, um ponto enfiado atrás do outro, enfileirados do primeiro ao último. 

Era assim que pensavam, parece, os pitagóricos (membros de uma mistura entre seita, escola e comunidade, criada por volta de 530 a.C., em Crótona, no sul da Itália). E, por pensar assim, vão se meter na maior enrascada lógica!
Ora se um segmento é uma fileira de pontos, seu comprimento tem que ser proporcional ao número de pontos que contém. Isto é, se um segmento tem m pontos, seu  comprimento L será m vezes o tamanho de um ponto.
Tomando dois segmentos, um de comprimento L com m pontos e outro de comprimento C com n pontos então a razão entre os comprimentos é                                   LC=m×tamanho do ponton×tamanho do ponto=mn

Veio então o grande golpe contra a Escola Pitagórica. Eles conheciam o que chamamos hoje de Teorema de Pitágoras. Este resultado já era conhecido dos egípcios, pelo menos no caso 3,4,5 e dos babilônicos, que possuíam tabelas de números que verificavam a relação dada pelo teorema. Os pitagóricos também o conheciam, mas não se sabe como o demonstraram.


 Aplicando o Teorema de Pitágoras ao cálculo da diagonal do quadrado de lado com comprimento 1, temos que o comprimento D da diagonal deve verificar D2=12+12=2 ou seja, o comprimento da diagonal é 2.
Como a razão entre os comprimentos de dois segmentos é sempre uma fração então existem m e n números inteiros tais que                                     comprimento da diagonalcomprimento do lado=21=mn.

Isto não seria nada de mais se os pitagóricos não soubessem de um outro fato interessante.... Eles trabalhavam muito com números e repararam nos seguintes fatos:
  •  um número é par se for um múltiplo de 2, isto é, se m é par então, para algum outro número p,  m = 2p ;
     
  • seu quadrado então será  m2=(2p)2=4p2=2(2p2), isto é, seu quadrado também é um múltiplo de 2;
e podemos concluir que se um número é par, seu quadrado também é par.
Por outro lado, notaram que
  • um número é ímpar se for o seguinte de um par, isto é, se n é ímpar então n = 2q + 1, para algum número q ;
  • seu quadrado então será                        n2=(2q+1)2=4q2+4q+1=2(2q2+2q)+1, isto é, seu quadrado é o seguinte de um par; 
e podemos concluir que se um número é ímpar, seu quadrado também é ímpar.  
Dos dois fatos segue que se o quadrado de um número é par então este número tem  que ser par (pois se fosse ímpar seu quadrado seria ímpar e não par).
Voltando à diagonal do quadrado de lado 1, temos que 2=mn e podemos supor que m e n são primos entre si, pois senão dividiríamos em cima e em baixo da fração pelo fator comum. Vamos fazer então os passos seguintes: 
  •  Elevando tudo ao quadrado temos que 2=m2n2 dando 2n2=m2 e assim m2 é um número par. Logo, m é par e m=2p.
  •  Como m e n são primos entre si e m é par, o n tem que ser ímpar, pois senão 2 seria um fator comum. 
  • Mas 2n2=m2=(2p)2=2(2p2) e n2=2p2, ou seja, o quadrado de n é par e logo n é par e não ímpar, como tinha de ser. 
Isto diz que há algo de errado no começo deste raciocínio, ou seja, não está certo que 2=mn. Logo 2mn ou, numa linguagem mais moderna do que a dos pitagóricos, 2 é um número irracional (significando que não é uma razão entre dois números inteiros e não que é um número insensato, estouvado). 
Os pitagóricos deram de cara então com a diagonal do quadradoum comprimento que existe, que se pode desenhar e que não se encaixava na maneira como entendiam o ponto e a reta! Descobriram que  não podiam pensar num segmento de reta como um colar de contas. E isto foi uma verdadeira paulada na filosofia deles.

Mas e hoje, como entendemos um segmento de reta? É claro que a partir dos pitagóricos muita gente pensou sobre o assunto  e  sabemos que um segmento de reta tem que ter um número infinito de pontos (pois se tivesse só um número finito de pontos seu comprimento seria proporcional ao número de pontos e voltaríamos ao ponto de partida deste texto). Como é mesmo essa estrutura com infinitos pontos é uma longa história, cheia de ideias diferentes - algumas certas mas tão fora do comum como as do matemático russo Georg Cantor (1845-1918). Mas para contar isso tudo este post ficaria muito longo e deixarei estas ideias para uma outra vez.

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